sábado, 2 de agosto de 2025

There are two ways through life...

There are two ways through life: the way of nature and the way of grace. You have to choose which one you’ll follow. Grace doesn’t try to please itself. Accepts being slighted, forgotten, disliked. Accepts insults and injuries. Nature only wants to please itself. Get others to please it, too. Likes to lord it over them. To have its own way. It finds reasons to be unhappy when all the world is shining around it, when love is smiling through all things. No one who loves the way of grace ever comes to a bad end. – The Tree of Life (2011) 

Existem duas maneiras de viver: o caminho da Natureza e o caminho da Graça. Você tem que escolher qual deles seguirá. A graça não tenta agradar a si mesma. Aceita ser desprezada, esquecida, não ser querida. Aceita insultos e ferimentos. A natureza só quer agradar a si mesma. Quer que os outros a agradem também. Gosta de se impor sobre eles. De ter o próprio caminho. Encontra motivos para ser infeliz quando todo o mundo brilha ao seu redor, quando o amor sorri através de todas as coisas. Ninguém que ama o caminho da Graça jamais tem um fim ruim - Árvore da Vida (2011).









quinta-feira, 31 de julho de 2025

Caso Lapolla (1876-1877): Um Estudo da Justiça Brasileira do Século XIX


Caso Lapolla (1876-1877): Um Estudo da Justiça Brasileira do Século XIX





I. Introdução: A Acusação e os Eventos Iniciais

A presente reflexão centra-se no caso criminal envolvendo Raphael Lapolla, um imigrante italiano, que foi acusado do assassinato de seu compatriota, Felicio Ricci. Embora relatórios iniciais se refiram à vítima como Felicio Riscio, documentos posteriores e mais formais do julgamento utilizam consistentemente Felicio Ricci. Esta pequena discrepância na nomenclatura será observada, com o relatório utilizando principalmente "Ricci" para consistência com os registros do julgamento. O acusado é consistentemente identificado como Raphael Lapolla em todos os documentos relevantes. Este caso, que se desenrolou em meados da década de 1870 no Brasil, oferece um estudo convincente dos estágios iniciais do sistema de justiça brasileiro, particularmente no que diz respeito à interação entre o sentimento público, os procedimentos investigativos e o papel emergente da prova forense.


Data e Local do Crime e Prisão


O assassinato de Felicio Ricci ocorreu tragicamente em 18 de março de 1876, na freguesia de Santo Amaro do Cubatão. A prisão de Raphael Lapolla seguiu-se rapidamente, ocorrendo em 5 de abril de 1876, em S. José, por ordem direta do Juiz Municipal da comarca. Esta rápida apreensão indica um claro foco inicial em Lapolla como o principal suspeito.


Reações Iniciais do Público e da Imprensa


A notícia do assassinato e da prisão de Lapolla rapidamente permeou a consciência pública. Relatos de jornais indicam que a opinião pública coalesceu imediatamente em torno da crença de que Lapolla, sendo italiano, era "indubitavelmente italiano" e o perpetrador do crime. Esta suposição imediata e generalizada de culpa foi reforçada pela imprensa, que afirmou que a "noticia, que fica estampada, confirma esse juizo". A pronta denúncia do promotor público solidificou ainda mais a percepção de um caso claro, sugerindo que as investigações iniciais ou o sentimento público eram fortes o suficiente para justificar acusações formais imediatas.

A menção explícita de que "Quando circulou a noticia desse assassinato, ouvio-se a differentes individuos opinarem que o autor do attentado era indubitavelmente italiano. A noticia, que fica estampada, confirma esse juizo" revela um viés social significativo. A nacionalidade italiana compartilhada da vítima e do acusado, juntamente com o consenso público imediato da culpa de Lapolla, sugere que as percepções iniciais foram fortemente influenciadas por fatores além de evidências concretas. Este pré-julgamento, amplificado pela imprensa, provavelmente exerceu considerável pressão sobre as autoridades para agirem rápida e decisivamente contra Lapolla. Tal cenário destaca um desafio crítico nos sistemas de justiça históricos: o potencial de o sentimento público e os preconceitos latentes (como xenofobia ou preconceito contra grupos de imigrantes) ofuscarem a investigação objetiva nos estágios iniciais de um caso criminal. Isso estabelece um precedente para a batalha árdua da defesa, que não precisaria apenas refutar alegações factuais, mas também contestar uma narrativa pública de culpa profundamente enraizada. Esta condenação pública precoce também antecipa a posterior vindicação de Lapolla, tornando a eventual absolvição um comentário mais significativo sobre a capacidade do sistema de justiça de corrigir equívocos iniciais.


II. Procedimentos Pré-Julgamento e Contexto Legal


Esta seção detalha o período entre a prisão de Lapolla e o início de seu julgamento, esclarecendo o arcabouço legal aplicado e a significativa duração de sua prisão preventiva.


Detalhes da Prisão e Detenção Inicial de Lapolla


Após sua prisão em 5 de abril de 1876, Raphael Lapolla foi imediatamente colocado em prisão preventiva. Este período de encarceramento foi notavelmente extenso, durando 11 meses. A detenção não foi um mero período de custódia, mas resultou de um formal "despacho de pronuncia" emitido pelo Primeiro Juiz Substituto Domiciano Barbosa da Silva. Esta ordem significou uma determinação judicial de que existiam provas suficientes para prosseguir com o julgamento, formalizando efetivamente a acusação contra Lapolla.


Referência ao Artigo Legal Relevante


As acusações contra Raphael Lapolla foram formalmente enquadradas no Artigo 271 do Código Criminal. Embora o texto específico deste artigo não seja fornecido nos documentos, sua menção consistente indica a base legal precisa para a acusação de homicídio e a adesão formal aos estatutos legais estabelecidos na época. Este detalhe sublinha a natureza estruturada do processo legal, mesmo no século XIX.

A declaração explícita de que Lapolla sofreu "11 meses de prisão preventiva injustamente" é um comentário contundente. O uso de "injustamente" pelo jornal não é meramente um relatório factual, mas um julgamento editorial, indicando uma falha significativa no processo pré-julgamento. A atribuição direta desta injustiça ao "despacho de pronuncia" de um juiz específico (Domiciano Barbosa da Silva) sugere um grau de responsabilização, mesmo que informal, pela decisão judicial inicial que levou a um encarceramento tão longo e, em última análise, injustificado. Isso destaca um aspecto crítico dos sistemas jurídicos do século XIX: o potencial de a prisão preventiva se tornar uma forma de punição em si, independentemente do veredito final. Revela a vulnerabilidade dos acusados a uma prolongada perda de liberdade com base numa avaliação judicial inicial, mesmo antes de um julgamento completo ter determinado a culpa ou a inocência. Este período de detenção "injusta" serve como um lembrete severo dos desafios às liberdades individuais dentro dos quadros jurídicos da época e sublinha a importância da eventual absolvição na retificação desta injustiça anterior.


III. O Julgamento: Preparando o Cenário


Esta seção detalha o início formal do julgamento, apresentando as principais figuras judiciais e a composição do júri, fornecendo contexto para os procedimentos que se desenrolariam.


Data e Local do Julgamento


O julgamento de Raphael Lapolla começou formalmente em 17 de fevereiro de 1877. Esta data situa o julgamento quase um ano inteiro após o crime e a prisão de Lapolla, seguindo seu extenso período de prisão preventiva. Embora o tribunal específico não seja nomeado, o jornal "O Despertador" é publicado em "Desterro", implicando fortemente que o julgamento ocorreu nesta cidade ou em sua região imediata. O significativo lapso de tempo entre o crime e o julgamento sublinha a natureza muitas vezes prolongada dos processos judiciais daquela época.


Figuras Judiciais Chave


Os procedimentos foram presididos pelo Dr. Francilisio Adolpho Pereira Guimarães, identificado como o "Juiz de Direito". Seu papel foi crucial para garantir a condução adequada do julgamento, supervisionando a apresentação de provas e resumindo os complexos argumentos legais para o júri. O promotor público, Capitão Antonio Luiz Ferreira de Mello, foi responsável por apresentar o caso do estado e defender a condenação de Lapolla. A defesa de Raphael Lapolla foi conduzida por dois proeminentes advogados: Dr. Manuel José de Oliveira e Capitão Francisco Tolentino Vieira de Souza. Sua experiência combinada se mostraria crítica para desafiar a narrativa da acusação.


A Composição do Júri


Um júri de nove indivíduos foi empossado para ouvir o caso e proferir um veredito. Seus nomes foram meticulosamente listados nos relatórios do jornal, refletindo a natureza formal e pública do processo judicial. Os membros do júri eram: José Silveira de Souza Fagundes, João Francisco de Souza Costa, Francisco Alexandre da Silva, Martinho Ferreira da Cunha, João Rodrigues Alves, João Pereira de Medeiros, Joaquim Machado Pereira Junior, Cyrillo Lopes de Haro e Theodoro Sebastião Lentz.

A listagem detalhada do juiz presidente e de todos os nove membros do júri sublinha um aspecto significativo da justiça brasileira do século XIX: a adoção e implementação formal do sistema de júri. Isso não é meramente um detalhe processual, mas reflete um compromisso com uma forma mais participativa de justiça, onde cidadãos comuns (o júri) detinham o poder final de determinar a culpa ou a inocência. A natureza pública dessas nomeações e sua publicação na imprensa sugerem um grau de transparência e responsabilidade pública para o processo judicial, contrastando com sistemas puramente inquisitoriais onde o poder judicial poderia ser mais concentrado e menos visível. Este caso serve como um importante marco histórico que demonstra a evolução do cenário jurídico brasileiro, movendo-se em direção a princípios de participação popular na justiça. Sugere um valor social atribuído ao julgamento coletivo de pares, mesmo em um período em que os marcos jurídicos ainda estavam em desenvolvimento. A decisão unânime do júri destaca ainda mais o peso e a integridade deste componente cidadão do sistema de justiça.

Tabela 1: Indivíduos Chave no Julgamento de Raphael Lapolla

Papel

Nome

Acusado

Raphael Lapolla

Vítima

Felicio Ricci (também conhecido como Felicio Riscio)

Juiz Presidente

Dr. Francilisio Adolpho Pereira Guimarães

Promotor Público

Capitão Antonio Luiz Ferreira de Mello

Advogado de Defesa 1

Dr. Manuel José de Oliveira

Advogado de Defesa 2

Capitão Francisco Tolentino Vieira de Souza

Primeiro Juiz Substituto (emitiu pronúncia)

Domiciano Barbosa da Silva

Perito Médico 1

Dr. Schutel

Perito Médico 2

Dr. Argolo

Membros do Júri

José Silveira de Souza Fagundes, João Francisco de Souza Costa, Francisco Alexandre da Silva, Martinho Ferreira da Cunha, João Rodrigues Alves, João Pereira de Medeiros, Joaquim Machado Pereira Junior, Cyrillo Lopes de Haro, Theodoro Sebastião Lentz


IV. O Caso da Acusação: Alegações e Busca por Justiça


Esta seção descreve os argumentos apresentados pelo promotor público, destacando a gravidade das acusações e a determinada busca do estado por uma condenação.


Resumo das Acusações e Pedido de Pena de Morte


O promotor público, Capitão Antonio Luiz Ferreira de Mello, iniciou os debates do julgamento com uma acusação contundente e direta contra Raphael Lapolla. Seu objetivo principal era "demonstrar a criminalidade do réo". Crucialmente, a acusação pediu explicitamente a pena de morte para a punição de Lapolla. Isso indica a extrema gravidade com que o crime era visto pelo estado e a convicção inabalável do promotor na culpa de Lapolla, buscando a máxima retribuição possível sob a lei.


Argumentos Apresentados pela Acusação


O caso se baseou fortemente no inquérito policial inicial e nos "autos do corpo de delicto", que teriam incluído as descobertas iniciais da autópsia e exumação. A acusação também apresentou testemunhos, especificamente os de Augusto e Carlos Sternen, que a defesa mais tarde procurou desacreditar. A acusação provavelmente apresentou uma narrativa consistente com a condenação pública inicial de Lapolla, visando solidificar a impressão de sua culpa inegável.

O pedido imediato e inequívoco da pena de morte pelo promotor público ("pedindo a pena de morte para sua punição,") é um indicador claro da natureza punitiva da justiça criminal no Brasil do século XIX. Essa postura agressiva da acusação não apenas sublinha a gravidade percebida do homicídio, mas também destaca que a pena capital era um resultado real e ativamente buscado para crimes graves. O zelo do promotor estabelece um alto padrão para a defesa, transformando o julgamento em uma luta literal pela vida do acusado. Isso revela as duras realidades do sistema jurídico da época, onde o estado possuía e frequentemente exercia o poder de buscar a pena máxima. Enfatiza a imensa pressão sobre os advogados de defesa não apenas para provar a inocência, mas para evitar uma condenação capital. Este contexto também torna a eventual absolvição ainda mais notável, demonstrando um desafio bem-sucedido contra o ethos punitivo prevalecente e a mais alta exigência do estado.


V. A Estratégia da Defesa: Desafiando a Narrativa


Esta seção aprofunda a estratégia de defesa abrangente e multifacetada empregada pela equipe jurídica de Lapolla, que acabou se mostrando decisiva para garantir sua absolvição.


A Equipe de Defesa


Raphael Lapolla foi representado por uma equipe jurídica altamente capaz e dedicada: Dr. Manuel José de Oliveira e Capitão Francisco Tolentino Vieira de Souza. O jornal mais tarde os elogiou como "mestrados gladiadores" que salvaram seu cliente do "patibulo", indicando sua excepcional habilidade e eficácia.


Desafios ao Processo Investigativo e Testemunhos


A defesa, particularmente o Dr. Manuel José de Oliveira, examinou meticulosamente e desafiou os elementos fundamentais do caso da acusação. Ele "provou com o processo, e os autos do corpo de delicto, autopsia, exhumaçao do cadaver, do exame das pegadas, e dos proprios depoimentos das testemunhas da accusação, especialmente dos de Augusto e Carlos Sternen". Isso indica um ataque abrangente à confiabilidade e interpretação da coleta inicial de provas e dos relatos das testemunhas.


Papel Crucial do Testemunho Médico Pericial


Um ponto de virada crucial na estratégia da defesa foi a introdução do testemunho médico pericial dos Drs. Schutel e Argolo. Suas descobertas contradisseram diretamente a narrativa implícita da acusação sobre a natureza do crime. Seus exames do corpo da vítima demonstraram que as "soluções de continuidade" (ou seja, feridas) foram causadas por "instrumentos contundente e não cortante". Crucialmente, eles realizaram uma demonstração física no tribunal: "pegando na caveira de Ricci collocou sobre ella o gavedo do podão ou machadinha, que estava presente no jury, o qual não se adaptava á região frontal". Esta evidência direta e tangível refutou decisivamente a noção de que um instrumento cortante foi usado ou que a arma específica apresentada poderia ter causado a lesão fatal da maneira alegada.

O relato detalhado das descobertas dos peritos médicos (Drs. Schutel e Argolo) e sua demonstração em tribunal é profundamente significativo. A sua determinação de que as feridas foram causadas por "instrumentos contundentes, não cortantes", e o ato físico de mostrar que a alegada arma (cabo de podão) "não se adaptava à região frontal" do crânio de Ricci, representa uma mudança crucial. Isso vai além de meras provas testemunhais para uma refutação científica e empírica dos fatos implícitos da acusação. O impacto dessa demonstração direta e tangível de evidências forenses foi claramente poderoso o suficiente para influenciar o júri. Isso destaca um momento crucial na evolução da prática jurídica, demonstrando a crescente dependência de evidências científicas e médicas para estabelecer fatos e desafiar narrativas no século XIX. O caso Lapolla serve como um exemplo precoce e convincente de como a análise forense objetiva e orientada por especialistas poderia ser um divisor de águas, capaz de desmantelar até mesmo fortes suposições iniciais de culpa e garantir uma absolvição contra uma acusação capital. Sublinha o papel fundamental que a ciência forense começou a desempenhar na garantia da justiça.


Argumentos Relacionados ao Caráter da Vítima e suas Implicações para o Caso


A defesa também empregou uma estratégia que envolvia questionar o caráter da vítima. O Dr. Oliveira argumentou que Ricci era uma vítima merecedora da "mais torpe e vil calumnia". Essa tática visava introduzir dúvidas sobre a reputação da vítima, potencialmente sugerindo motivos alternativos para o crime ou mitigando a gravidade percebida do ato ao retratar a vítima sob uma luz negativa. Esta era uma estratégia de defesa comum, embora eticamente complexa, na época.


Caracterização do Acusado


Em contraste marcante com o retrato da vítima, a defesa apresentou Raphael Lapolla como uma figura simpática: um "estrangeiro laborioso e pai extremoso". Isso humanizou Lapolla para o júri, promovendo a empatia. Além disso, a defesa argumentou que Lapolla foi vítima de "intriga e inveja". Essa narrativa forneceu uma explicação alternativa para sua acusação, transferindo a culpa de suas ações para forças externas maliciosas, reforçando assim sua inocência e apresentando-o como um indivíduo injustiçado, em vez de um criminoso.

A estratégia dupla da defesa de retratar a vítima como merecedora da "mais torpe e vil calumnia", enquanto simultaneamente apresentava Lapolla como um "estrangeiro laborioso e pai extremoso" e uma vítima de "intriga e inveja", revela uma compreensão sofisticada da psicologia do júri. Essa abordagem visava não apenas refutar fatos, mas também moldar o cenário emocional e moral do julgamento. Ao desacreditar a vítima, a defesa pode ter procurado reduzir a gravidade percebida do crime ou sugerir perpetradores alternativos. Ao humanizar Lapolla e atribuir sua situação a malícia externa, eles visavam obter simpatia e fornecer uma razão socialmente aceitável para sua acusação, desviando o foco de sua potencial culpabilidade. Isso demonstra que os julgamentos do século XIX não se limitavam apenas a fatos legais objetivos, mas também à construção de narrativas convincentes e à influência das percepções de caráter e motivo. Reflete as normas sociais da época, onde a reputação e as narrativas pessoais poderiam impactar significativamente os resultados judiciais. Esse uso estratégico da caracterização destaca os aspectos sutis e muitas vezes manipuladores da defesa jurídica em uma era antes que regras mais rigorosas de evidência e conduta ética fossem totalmente estabelecidas.


VI. O Veredito e Suas Consequências


Esta seção detalha a decisão do júri, as consequências imediatas para Raphael Lapolla e o forte comentário do jornal sobre a justiça administrada.


Deliberação do Júri e Decisão Unânime de Absolver


Após os extensos argumentos da acusação e da defesa, o júri se retirou para deliberação às 5h da manhã. Sua decisão foi rápida e decisiva: votaram "por unanimidade" para negar os "quesitos constitutivos do crime", efetivamente declarando Raphael Lapolla inocente das acusações. Este veredito unânime significa uma rejeição completa do caso da acusação e um forte endosso dos argumentos e provas da defesa.

A "unanimidade" do júri ao negar os "quesitos constitutivos do crime" é mais do que uma simples absolvição; implica uma rejeição completa e inequívoca da premissa fundamental de que um crime, tal como legalmente definido, tinha sido cometido por Lapolla. Isso sugere que os argumentos da defesa, particularmente as provas médicas convincentes, foram tão esmagadoramente persuasivos que não deixaram margem para dúvidas entre nenhum dos jurados. Indica um colapso total do caso da acusação sob escrutínio, em vez de uma mera falha em provar a culpa além de uma dúvida razoável. Este resultado serve como um poderoso testemunho da eficácia de uma defesa bem montada e baseada em evidências, mesmo contra forte pressão pública e acusatória inicial. Também fala da integridade do sistema de júri, demonstrando sua capacidade de fazer justiça e derrubar noções preconcebidas de culpa quando confrontado com evidências contrárias convincentes. A natureza unânime do veredito confere-lhe autoridade e finalidade particulares, tornando-o menos suscetível ao ceticismo público ou a desafios posteriores.


Liberação Imediata de Lapolla e Reconhecimento de Sua Detenção Injusta


Após o veredito do júri, o presidente do tribunal emitiu imediatamente o "alvará de soltura", concedendo a Lapolla sua "plena liberdade". O jornal destacou explicitamente uma injustiça significativa: Lapolla havia sofrido "11 mezes de prisão preventiva injustamente". Esta detenção injusta foi diretamente atribuída ao "despacho de pronuncia" emitido pelo Primeiro Juiz Substituto Domiciano Barbosa da Silva. Este reconhecimento sublinha uma falha crítica no processo pré-julgamento, mesmo que o veredito final tenha afirmado a justiça.

A declaração explícita do jornal de que Lapolla sofreu "11 meses de prisão preventiva injustamente" e sua atribuição direta ao "despacho de pronuncia" de um juiz específico é um elemento crucial. Isso não é meramente relatar um fato; é um julgamento público e editorial sobre a injustiça do processo pré-julgamento. Esse reconhecimento público de detenção "injusta", mesmo sem compensação formal, implica um grau de responsabilidade pela decisão judicial inicial. Destaca uma tensão entre a necessidade de ação rápida em casos criminais e o direito fundamental à liberdade, sinalizando uma consciência precoce de encarceramento indevido. Isso sugere uma compreensão nascente da falibilidade judicial e do conceito de detenção indevida no Brasil do século XIX. Embora os mecanismos formais de reparação pudessem ser limitados, a denúncia pública na imprensa serviu como uma forma de retificação moral e um apelo a um maior escrutínio das ordens de prisão preventiva. Sublinha a importância do veredito final não apenas para determinar a culpa ou a inocência, mas também para retificar injustiças processuais anteriores, reforçando assim a confiança do público na justiça final do sistema judicial.


VII. Comentário Público e da Imprensa sobre o Resultado


Esta seção analisará a mudança na percepção pública e da imprensa após a absolvição, demonstrando como a narrativa evoluiu da condenação inicial para o louvor ao sistema de justiça e à defesa.


Evolução da Opinião Pública


A narrativa do jornal ilustra claramente uma mudança dramática no sentimento público e da imprensa. Inicialmente, a opinião pública foi rápida em condenar Lapolla, influenciada por sua nacionalidade e pela natureza do crime. No entanto, após o julgamento e a absolvição unânime, o tom mudou profundamente. A imprensa expressou gratidão, afirmando: "Graças á Deus, que depois de tantos indiciamentos foi o processo Lapolla julgado, e por essa razão dirigimos... um voto de gratidão ao presidente do tribunal, que sem fazer um favor, sómente administrou justiça". Os advogados de defesa foram elogiados como "mestrados gladiadores" que salvaram seu cliente do "patibulo", enfatizando que Lapolla "não era criminoso". Essa transformação da narrativa pública, da condenação à vindicação, sublinha o poder de um resultado legal justo.

A mudança dramática no tom do jornal — de inicialmente confirmar a suspeita pública para elogiar efusivamente o sistema de justiça e a defesa após a absolvição — demonstra o poder significativo da imprensa na sociedade do século XIX. O uso de linguagem altamente emotiva e julgadora ("Graças á Deus," "louvor ao jury," "mestrados gladiadores," "innocente," "intriga e inveja") indica uma clara postura editorial. Isso sugere que a mídia não apenas relatava fatos, mas ativamente interpretava e influenciava o sentimento público, visando guiar os leitores a uma conclusão específica: que a justiça foi feita e um erro foi corrigido. Isso destaca o papel inicial da imprensa como um poderoso "quarto poder", capaz de moldar o discurso público e responsabilizar instituições (como o judiciário), mesmo que por meio de comentários subjetivos. Mostra como um caso criminal, inicialmente percebido como simples, poderia se tornar um espetáculo público e um testemunho da capacidade do sistema de autocorreção, em grande parte mediado e celebrado pela imprensa. Isso também implica que a percepção pública, uma vez influenciada por relatórios iniciais, poderia ser reeducada e redirecionada por um resultado legal convincente e justo.


Editoriais de Jornais Refletindo sobre a Significação do Caso


O comentário editorial nos documentos e vai além do mero relato factual, moldando ativamente a compreensão pública da significância do caso. O jornal elogia explicitamente o júri, afirmando: "Um voto, pois, de louvor ao jury d'esti cidade, que acaba de prestar um culto á justiça, livrando do patibulo o innocente que levado á barra do tribunal achou vozes eloquentes, para restituir á sociedade, á sua esposa, e á sete innocentes filhos". Além disso, Lapolla é caracterizado como um "estrangeiro laborioso e pai extremoso" que foi vítima de "intriga e inveja". Essa moldura não apenas humaniza Lapolla, mas também fornece uma explicação alternativa e socialmente aceitável para sua acusação, transferindo a culpa de suas ações para forças externas maliciosas. Essa postura editorial transforma o caso em uma lição pública sobre o triunfo da justiça contra a adversidade e as falsas acusações.

A moldura da defesa e do jornal de Lapolla como vítima de "intriga e inveja" é um elemento narrativo crucial que se estende para além dos fatos legais. Ao fornecer uma explicação não-criminal e socialmente ressonante para o motivo pelo qual ele foi acusado, ela desvia efetivamente a atenção de qualquer potencial culpabilidade e, em vez disso, foca em forças externas e maliciosas. Essa narrativa, que ressoa com temas universais de ciúme e agendas ocultas, oferece uma razão mais palatável para um "estrangeiro laborioso e pai extremoso" ser injustamente acusado, em vez de sugerir falhas inerentes na investigação inicial ou nos acusadores. Também sugere implicitamente um contexto comunitário onde rivalidades pessoais poderiam escalar para falsas acusações. Isso revela uma camada mais profunda de dinâmicas sociais em jogo no século XIX, onde animosidades pessoais e rivalidades comunitárias poderiam potencialmente instigar processos legais. Sugere que o sistema de justiça, embora formal, ainda era suscetível à influência das correntes sociais, e que uma defesa bem-sucedida poderia envolver não apenas a refutação de fatos, mas também a construção de uma narrativa alternativa e socialmente aceitável para a acusação. Essa narrativa serve para restaurar a reputação do acusado dentro da comunidade e reforçar a ideia de que a justiça prevaleceu contra forças malévolas.


VIII. Conclusão: Reflexões sobre um Caso Histórico


Esta seção final resume os elementos-chave que levaram à absolvição de Lapolla e discute as implicações mais amplas deste caso para a compreensão das práticas jurídicas do século XIX e o papel da defesa em julgamentos criminais.


Resumo dos Fatores Chave que Levaram à Absolvição


A absolvição de Raphael Lapolla foi o culminar de vários fatores críticos. Em primeiro lugar, a defesa robusta e meticulosa montada por seus advogados, Dr. Manuel José de Oliveira e Capitão Francisco Tolentino Vieira de Souza, que habilmente desafiaram todos os aspectos do caso da acusação. Um elemento decisivo foi o convincente testemunho de peritos médicos fornecido pelos Drs. Schutel e Argolo, cuja análise forense e demonstração em tribunal contradisseram diretamente as suposições iniciais sobre a natureza do crime e a arma utilizada. Esta evidência objetiva provou ser instrumental na criação de dúvida razoável. Finalmente, a cuidadosa deliberação do júri e a decisão unânime de absolver demonstraram sua capacidade de pesar as evidências imparcialmente e priorizar as descobertas factuais em detrimento do sentimento público inicial e do zelo acusatório. O caso se destaca como um poderoso testemunho da importância de uma defesa completa e baseada em evidências para garantir a justiça.


Implicações Mais Amplas para a Compreensão das Práticas Jurídicas do Século XIX e o Papel da Defesa em Julgamentos Criminais


O caso Raphael Lapolla oferece insights inestimáveis sobre o funcionamento e a evolução do sistema de justiça brasileiro no final do século XIX. Demonstra a adoção formal e a aplicação prática dos julgamentos por júri, destacando um movimento em direção a uma maior participação pública nos resultados legais. O caso também sublinha a crescente, embora talvez ainda nascente, dependência da ciência forense e do testemunho de peritos como componentes críticos da prova. Isso significa uma mudança em direção a métodos de prova mais científicos e objetivos, indo além de evidências puramente circunstanciais ou anedóticas. Crucialmente, o caso destaca o papel vital e transformador de uma defesa jurídica competente no desafio ao poder do Estado, no escrutínio dos procedimentos investigativos e na garantia do devido processo legal, mesmo quando confrontada com forte condenação pública inicial e exigências de punição severa. Embora tenha sido, em última análise, um triunfo da justiça, o caso também traz à luz os desafios da prisão preventiva, como evidenciado pelos 11 meses de encarceramento "injusto" de Lapolla. Apesar dessa falha, o veredito final sugere um sistema capaz de autocorreção e de defender os princípios fundamentais da justiça. O comentário público e da imprensa em torno do caso também ilustra a poderosa influência da mídia na formação e reflexão dos valores sociais e das percepções de justiça.

A análise abrangente do caso Lapolla revela que ele é mais do que um incidente isolado; serve como um valioso estudo de caso histórico para compreender o desenvolvimento dinâmico dos princípios legais no Brasil do século XIX. A interação entre a indignação pública inicial e o eventual resultado judicial imparcial, a crescente dependência de evidências científicas (autópsia, testemunho de peritos médicos) em detrimento de relatos puramente circunstanciais ou anedóticos, e o poder demonstrado de uma forte defesa em desafiar a autoridade estatal, tudo aponta para um sistema jurídico em transição. O fato de um indivíduo poder suportar uma prolongada detenção "injusta" e, no entanto, ser finalmente absolvido, destaca um sistema que lida com sua própria integridade processual e busca um resultado mais justo, mesmo que imperfeito. Este caso demonstra que os princípios fundamentais do devido processo legal, o direito a uma forte defesa e o peso das provas forenses estavam sendo ativamente estabelecidos, testados e refinados no Brasil durante este período. Sugere que o sistema jurídico não era estático, mas estava evoluindo em direção a maior sofisticação e justiça, influenciado tanto por desenvolvimentos legais internos quanto por pressões externas (como a opinião pública e o escrutínio da mídia). O caso Lapolla, portanto, fornece uma rica lente histórica através da qual examinar as complexidades e os avanços da justiça criminal em uma nação em desenvolvimento.

Tabela 2: Linha do Tempo dos Eventos Chave no Caso Raphael Lapolla

Data

Evento

18 de março de 1876

Assassinato de Felicio Ricci em Santo Amaro do Cubatão.

5 de abril de 1876

Prisão de Raphael Lapolla em S. José.

5 de abril de 1876 - 17 de fevereiro de 1877 (aprox. 11 meses)

Prisão preventiva de Raphael Lapolla.

17 de fevereiro de 1877

Início do julgamento de Raphael Lapolla em Desterro.

17 de fevereiro de 1877 (madrugada de 18 de fevereiro, dada a deliberação do júri às 5h)

Deliberação do júri e absolvição unânime de Raphael Lapolla.

17 de fevereiro de 1877

Liberação imediata de Raphael Lapolla.



Fonte: http://hemeroteca.ciasc.sc.gov.br/.

Raffaele Lapolla: Um Imigrante Pioneiro em Santa Catarina no Século XIX

 

Raffaele Lapolla: Um Imigrante Pioneiro em Santo Amaro da Imperatriz no Século XIX


Quando Raffaele Lapolla nasceu em 13 de fevereiro de 1833, em Marsico Nuovo, Basilicata, Itália, seu pai, Michele Arcangelo Lapolla, tinha 33 anos e sua mãe, Anna Maria Pasquariello, tinha 28 anos. Ele casou-se com Felicidade Maria Da Conceição em 21 de março de 1868, em Santo Amaro da Imperatriz, Santa Catarina, Brasil. Eles tiveram pelo menos 5 filhos e 7 filhas. Ele faleceu em 20 de abril de 1901, em Palhoça, Santa Catarina, Brasil, com 68 anos



I. Introdução: O Contexto da Imigração Italiana em Santa Catarina no Século XIX


O século XIX marcou um período de intensa imigração para o Brasil, impulsionada por desafios socioeconômicos na Europa e pela demanda por mão de obra nas fronteiras agrícolas brasileiras. Nesse cenário, Santa Catarina emergiu como um destino significativo para esses imigrantes, muitos deles de origem italiana. A imigração italiana para Santo Amaro do Cubatão, apresentou características distintas em comparação com outras regiões do Brasil.1 Essa particularidade do contexto local pode ter influenciado profundamente as experiências de indivíduos como Raffaele Lapolla.

As primeiras iniciativas de colonização italiana em Santa Catarina enfrentaram desafios consideráveis. Um exemplo notável é a colônia "Nova Itália", autorizada em 1836 para receber 180 imigrantes da Sardenha, mas cuja fundação foi abruptamente suspensa pelo Governo Imperial em 1837. A justificativa para essa interrupção foi a percepção de que a Assembleia Legislativa de Santa Catarina havia excedido sua autoridade ao conceder terras aos colonos.2 Esse detalhe histórico ressalta a natureza complexa, por vezes descoordenada e problemática, das políticas imigratórias iniciais e seu impacto direto na vida dos assentados. Raffaele Lapolla, nascido na Itália em 1833, personifica a narrativa desses primeiros imigrantes italianos que buscaram uma nova vida no Brasil. Sua decisão de se estabelecer em Santa Catarina, especificamente em Santo Amaro da Imperatriz, o posiciona como um pioneiro na formação demográfica e cultural da região. Sua trajetória, embora reconstruída a partir de registros fragmentados, oferece uma perspectiva valiosa sobre a experiência mais ampla dos imigrantes da época.


II. A Vida de Raffaele Lapolla: Origens e Estabelecimento no Brasil


Raffaele Lapolla nasceu em 13 de fevereiro de 1833, em Marsico Nuovo, um município situado na região da Basilicata, no sul da Itália.3 Sua origem regional é um dado relevante, pois diferentes partes da Itália contribuíram com fluxos migratórios distintos para o Brasil. Seus pais eram Michele Arcangelo Lapolla, nascido em 1800, e Anna Maria Pascarella, nascida em 1805.3 A compreensão de seu histórico familiar imediato na Itália fornece o pano de fundo para suas origens antes da migração. O sobrenome "Lapolla" em si é de origem italiana, possivelmente derivado de uma característica topográfica, como uma "polla" (um filete de água), ou um nome de lugar na província de Salerno.3









Raffaele Lapolla formalizou seu casamento com Felicidade Maria Da Conceição em 21 de março de 1868, em Santo Amaro da Imperatriz, Santa Catarina, Brasil.3 A data desse casamento é um ponto crucial, indicando sua presença estabelecida na região no final da década de 1860. O casamento de Raffaele em Santo Amaro da Imperatriz em 1868 é um forte indicativo de seu estabelecimento precoce e bem-sucedido na região. Isso ocorreu menos de duas décadas após as tentativas iniciais, e um tanto turbulentas, de colonização italiana em Santa Catarina.2 O fato de ele ter se casado com uma pessoa de nome português, "Felicidade Maria Da Conceição", sugere um grau de integração no tecido social brasileiro existente, em vez de permanecer exclusivamente dentro de uma comunidade imigrante isolada. Esse tipo de casamento interétnico era um caminho comum para os imigrantes solidificarem suas raízes e contribuírem para a população local. A data de seu casamento o posiciona firmemente como um dos primeiros colonos em Santo Amaro da Imperatriz, destacando os estágios iniciais de mistura cultural e demográfica entre as populações imigrantes e pré-existentes na região.

A cronologia de sua vida pode ser resumida da seguinte forma:

  • Nascimento: 13 de fevereiro de 1833, em Marsico Nuovo, Basilicata, Itália.3

  • Casamento: 21 de março de 1868, em Santo Amaro da Imperatriz, Santa Catarina, Brasil.3

  • Morte: 20 de abril de 1901, em Palhoça, Santa Catarina, Brasil, aos 68 anos de idade.3

Embora o casamento de Raffaele e o nascimento de alguns de seus filhos tenham ocorrido em Santo Amaro da Imperatriz 3, seu filho Fernando nasceu em Tubarão em 1882 4, e o próprio Raffaele faleceu em Palhoça em 1901.4 Essa sequência de localidades – Santo Amaro da Imperatriz, Tubarão e Palhoça – aponta para um padrão de movimentação. Essa mobilidade geográfica dentro de Santa Catarina sugere que Raffaele, como muitos imigrantes pioneiros, provavelmente se deslocou em busca de melhores oportunidades, terras disponíveis, ou talvez seguindo redes familiares ou comunitárias estabelecidas à medida que novos assentamentos se desenvolviam. Há registros de que D. Felicidade Lapolli e dois de seus filhos, acompanhados por uma criada, viajaram de Laguna no vapor "Laguna", indicando a mobilidade da família. Sua vida não foi estática, mas sim dinâmica, refletindo os padrões mais amplos de migração interna característicos da expansão colonial no Brasil do século XIX.

Raffaele Lapolla faleceu em 20 de abril de 1901, na localidade de Aririu, na Vila da Palhoça, Santa Catarina. A causa de seu óbito foi declarada como "asphyxia por submersão" (asfixia por submersão ou afogamento). A declaração de seu falecimento foi feita por José Lapollo, que compareceu ao cartório em Palhoça para registrar o ocorrido. 13


III. Família e Descendência de Raffaele Lapolla


Felicidade Maria Da Conceição casou-se com Raffaele Lapolla em 21 de março de 1868, em Santo Amaro da Imperatriz.3 Ela foi a matriarca da família Lapolla no Brasil e mãe de todos os seus filhos conhecidos. Seu nome português, como já observado, sugere uma origem local ou um grau de assimilação à cultura brasileira.



Raffaele e Felicidade foram pais de uma família numerosa, com "pelo menos 5 filhos e 7 filhas", totalizando um mínimo de 12 crianças.3 Outras informações genealógicas nomeiam explicitamente sete de seus filhos: Antonio Lapolla, Fernando Lapolla, Ines Lapolla, Maria Lapolla, Emilia Lapolla, Amaro Lapolla e José Lapolla.4 Uma certidão de batismo também confirma a existência de Anna Lapolla, filha de Raphael Lapolla e Felicidade Lapolla, nascida em novembro. É importante reconhecer uma pequena discrepância entre o número total de filhos mencionados em 3 ("pelo menos 5 filhos e 7 filhas") e os filhos nomeados consistentemente listados em 4 e. Isso pode ser devido a registros incompletos em diferentes bancos de dados genealógicos ou a filhos que não sobreviveram até a idade adulta e, portanto, podem não estar amplamente documentados. Para este relatório, o foco será nos filhos nomeados para os quais há dados específicos disponíveis, observando a possibilidade de uma família maior.

A descendência conhecida de Raffaele Lapolla e Felicidade Maria Da Conceição é detalhada na tabela a seguir:


Descendência Conhecida de Raffaele Lapolla e Felicidade Maria Da Conceição



Nome do Filho(a)

Data de Nascimento

Local de Nascimento

Relação com Raffaele

Fonte

Antônio Lapolla

2 de janeiro de 1869

Santo Amaro da Imperatriz, Santa Catarina, Brasil

Filho

13

Amaro Lapolla

6 de junho de 1870

Santo Amaro da Imperatriz, SC, Brasil

Filho

4

Fernando Lapolla

7 de junho de 1882

Tubarão, SC, Brasil

Filho

4

Anna Lapolla

Novembro (ano não especificado)

(Local não especificado)

Filha

13

Inês Lapolla

(Data não especificada)

(Local não especificado)

Filha

4

Maria Lapolla

(Data não especificada)

(Local não especificado)

Filha

4

Emília Lapolla

(Data não especificada)

(Local não especificado)

Filha

4

José Lapolla

(Data não especificada)

(Local não especificado)

Filho

4

Alcebíades Lapolli

1890

(Local não especificado)

Neto (filho de Antônio)

13

Adenide Lapolli

1918

(Local não especificado)

Bisneta (filha de Alcebíades)

13

O número substancial de filhos de Raffaele e Felicidade (pelo menos sete nomeados, potencialmente até doze) 3 é uma característica demográfica fundamental da vida colonial no século XIX. Em contextos pioneiros, famílias grandes não eram apenas uma norma social, mas uma necessidade econômica. Os filhos forneciam mão de obra essencial para o estabelecimento e a manutenção de pequenas propriedades agrícolas 5, que eram a espinha dorsal dos assentamentos de imigrantes. A unidade familiar era o motor principal para a sobrevivência econômica, o desenvolvimento da terra e o estabelecimento de uma presença duradoura em um ambiente novo e frequentemente desafiador. Os locais de nascimento também reforçam a adaptação e o movimento da família dentro de Santa Catarina. A apresentação dessas informações em formato de tabela é valiosa para uma compreensão clara da composição familiar e da dispersão geográfica.


Antônio Lapolla, filho de Raffaele Lapolla, aproximadamente no final do século XIX





Alcebíades Lapolli e família (década de 1920, em Tubarão/SC)

Alcebíades Lapolli, neto de Raffaela Lapolla (Imagem restaurada)


Alcebíades Lapolli, neto de Raffaela Lapolla (Imagem restaurada)





IV. Modo de Vida e Atividade Profissional em Santo Amaro da Imperatriz


A experiência geral dos imigrantes italianos em Santa Catarina na segunda metade do século XIX foi marcada por desafios significativos e um "modo de vida" exigente. Muitos desses imigrantes não eram agricultores de ofício ao chegar , mas foram cruciais no desmatamento de florestas densas para estabelecer pequenas propriedades agrícolas. Essas propriedades eram frequentemente organizadas ao longo das "linhas" (estradas vicinais) que geralmente seguiam os vales dos rios, formando a paisagem agrícola nascente da região.  

Relatos da época, como os do Padre Arcângelo Ganarini, que atuou como vigário em Santo Amaro da Imperatriz a partir de 1882, oferecem descrições vívidas das experiências dos colonos. Ganarini observou o "desencanto" sentido por muitos à sua chegada, citando problemas como a falta de demarcação clara das terras, habitações rudimentares construídas com folhas de palmito ou tábuas ásperas, e estradas precárias, muitas vezes intransitáveis devido à lama. Ele também notou a pobreza geral, refletida em pessoas "descalças e mal-vestidas". Esses detalhes pintam um quadro nítido das duras realidades e das condições árduas enfrentadas por esses primeiros colonos. Contextos econômicos mais amplos, como a limitada relevância econômica de certas províncias para o Império durante grande parte do século XIX (por exemplo, o Espírito Santo, com o cultivo de cana-de-açúcar, não se tornando um grande polo de atração, conforme mencionado em ), sugerem que a prosperidade econômica não era facilmente alcançada por muitos imigrantes. Além disso, questões de "desordem" e "fraude" por vezes estavam presentes na fundação de colônias , adicionando outra camada de dificuldade à vida dos imigrantes.   

No contexto do Orçamento Municipal de 1895, Raffaele Lapolla aparece classificado como "sexto taboleiro" no grupo dos "Taboleiros de doces". Essa classificação indica que ele era um vendedor ambulante de doces, utilizando tabuleiros (bandejas ou caixas) para expor e comercializar seus produtos nas ruas. Essa era uma categoria comum de comércio ambulante no século XIX. A designação "sexto taboleiro" não se refere a uma atividade diferente, mas sim a uma subclassificação ou categoria fiscal. O município provavelmente dividia os vendedores em níveis (primeiro, segundo, terceiro, etc.) com base no porte do negócio (tamanho do tabuleiro, quantidade de mercadoria), na renda presumida ou no valor do imposto a ser pago. Assim, Raffaele Lapolla era um vendedor de doces classificado no 6º nível/tabela de tributação, o que provavelmente indicava um menor porte do negócio ou menor volume de vendas em comparação com as categorias superiores.








V. Investigação sobre Prisão e Absolvição de Raffaele Lapolla





Segundo dados extraídos da Hemeroteca Nacional, Raffaele Lapolla esteve, de fato, envolvido em um processo criminal significativo em Santa Catarina. Na noite de 19 de março, o italiano Felicio Bricio (também referido como Felicio Riscio ou Ricci), residente em Santo Amaro do Cubatão, foi barbaramente assassinado em sua residência, com dois golpes de facão, um na cabeça e outro no pescoço. O subdelegado da freguesia iniciou o auto de corpo de delito para descobrir o autor do crime. Em 5 de abril, Raffaele Lapolla foi preso na cidade de São José, por ordem do Juiz Municipal da comarca, sob a acusação de ser o assassino de Felicio Riscio. Um ofício ao chefe de polícia também o autorizou a dirigir-se à freguesia de Santo Amaro do Cubatão para investigar o assassinato do italiano Felicio Riscio. [13],

O julgamento de Raffaele Lapolla teve lugar em 17 de fevereiro de 1877. Ele foi processado com base no artigo 271 do Código Criminal, pela morte de Felicio Ricci, que ocorreu em 18 de março do ano anterior (1876), na freguesia de Santo Amaro do Cubatão. O promotor público, Capitão Antonio Luiz Ferreira de Mello, defendeu a tese da culpabilidade de Lapolla e pediu a pena de morte para ele, em um "crime que constava dos autos".

A defesa de Raffaele Lapolla foi conduzida pelos advogados Manoel José de Oliveira e Francisco Tolentino Vieira de Souza. A defesa trabalhou para provar a inocência do acusado, argumentando que ele era "victima da mais torpe e vil calumnia". Para isso, foram utilizados o processo, os autos de corpo de delito, a autópsia e a exumação do cadáver da vítima, além do exame das pegadas e dos depoimentos das testemunhas da acusação, especialmente Augusto e Carlos Sternen, que participaram do inquérito policial. Os médicos Drs. Schutel e Argolo também foram mencionados por seus exames que corroboraram a defesa, indicando que a morte foi causada por um instrumento contundente e não cortante, o que se alinhava com a inocência do acusado.,

Após os debates, o juiz de direito resumiu as questões ao júri, que se retirou para votar. Por unanimidade, o júri negou os quesitos constitutivos do crime e julgou os demais prejudicados, resultando na absolvição de Raffaele Lapolla. A sentença de absolvição foi lavrada pelo presidente do tribunal, e Raffaele foi imediatamente solto, gozando de plena liberdade. Ele havia sofrido 11 meses de prisão preventiva injustamente, causada por um despacho de pronúncia que foi proferido em grau de recurso pelo juiz de direito substituto Domiciano Barbosa da Silva.

A absolvição de Raffaele Lapolla foi celebrada, com o reconhecimento de que a justiça havia sido administrada. O resultado do julgamento permitiu que o "estrangeiro laborioso e pai extremoso" retornasse à sociedade, à sua esposa e aos seus sete filhos inocentes, após ter sido vítima de uma acusação motivada por "intriga e inveja".,

Embora a pesquisa inicial não tenha encontrado registros diretos sobre este processo 3, a análise dos arquivos de jornais da época revelou detalhes cruciais sobre a prisão, o julgamento e a absolvição de Raffaele Lapolla, demonstrando a importância da pesquisa em fontes primárias para a reconstrução de eventos históricos.







Coluna - Cacau Menezes 2024



VI. A Variação do Sobrenome: De Lapolla a Lapolli


O sobrenome "Lapolla" é de origem italiana, com raízes que podem ser traçadas a termos topográficos como "polla" (um filete de água) ou a nomes de lugares na província de Salerno. É um sobrenome particularmente presente na região da Basilicata, no sul da Itália, de onde Raffaele Lapolla era originário. 3 A etimologia do sobrenome também sugere uma origem latina, com "Lapolla" ou "La Polla" podendo significar "pequeno frango" ou "pintinho". Há registros de famílias Lapolla antigas e nobres, inscritas no Livro de Ouro da Nobreza Italiana, com brasões de armas próprios. 15


A variação do sobrenome de "Lapolla" para "Lapolli" em Santa Catarina é um fenômeno comum na história da imigração italiana para o Brasil e pode ser atribuída a diversas razões:

  • Abrasileiramento e Adaptação Fonética: Com a chegada dos imigrantes ao Brasil, era muito frequente que seus nomes e sobrenomes fossem "abrasileirados" para se adequarem à fonética e à ortografia da língua portuguesa. A terminação "-a" em "Lapolla" pode ter sido percebida como uma desinência feminina em português, levando à alteração para "-i" ("Lapolli"), que é uma terminação mais comum para sobrenomes masculinos ou neutros em italiano e que se adaptava melhor à pronúncia local. 16

  • Erros de Registro e Transcrição: No século XIX, os registros civis e eclesiásticos no Brasil eram frequentemente realizados por oficiais que não dominavam a língua italiana. A barreira linguística, a caligrafia da época e a falta de padronização nos registros podiam levar a erros de transcrição ou interpretação dos sobrenomes. Um registrador poderia simplesmente ter ouvido "Lapolli" ou escrito de forma diferente do original. 16

  • Simplificação Intencional pelos Próprios Imigrantes: Alguns imigrantes optavam por simplificar ou modificar seus sobrenomes para facilitar a integração na nova sociedade, evitar preconceitos ou simplesmente para que fossem mais facilmente pronunciados e lembrados pelos brasileiros.

  • Variações Regionais na Itália: Embora "Lapolla" seja predominante em Basilicata, é possível que existissem variações regionais do sobrenome na Itália que também chegaram ao Brasil, ou que a adaptação para "Lapolli" já fosse uma forma existente em outras regiões italianas. O sobrenome "Lapolli" também possui um grande número de registros históricos. 17

  • Manutenção da Herança Cultural: Apesar das mudanças, a essência da herança italiana, incluindo sobrenomes e tradições, permaneceu viva em Santa Catarina, mesmo após gerações. 18

A ocorrência de "abrasileiramentos" e mudanças fonéticas em sobrenomes de imigrantes é um desafio comum na pesquisa genealógica para cidadania italiana, exigindo, muitas vezes, a retificação de certidões para garantir a consistência dos registros. 16 No caso de Raffaele Lapolla, a coexistência das grafias "Lapolla" e "Lapolli" em diferentes documentos e gerações de sua família é um reflexo direto dessas dinâmicas históricas de adaptação e registro no Brasil.


VII. Conclusão: O Legado de Raffaele Lapolla


Raffaele Lapolla (1833-1901) foi uma figura representativa na onda de imigração italiana para Santa Catarina, Brasil. Originário da Basilicata, Itália, ele estabeleceu sua vida em Santo Amaro da Imperatriz, onde se casou com Felicidade Maria Da Conceição em 1868. Ele se tornou o patriarca de uma notável linhagem familiar na região, com pelo menos sete filhos nomeados, e potencialmente mais, desempenhando um papel no crescimento demográfico da comunidade imigrante. Os movimentos geográficos de sua família, evidenciados por locais de nascimento em Santo Amaro da Imperatriz e Tubarão, e sua própria morte em Palhoça, refletem a natureza dinâmica do assentamento e da busca por oportunidades em Santa Catarina no século XIX. Embora os detalhes específicos de sua profissão permaneçam indocumentados no material fornecido, sua vida provavelmente espelhou o árduo "modo de vida" característico dos colonos italianos na região, envolvendo trabalho agrícola e adaptação a um novo ambiente desafiador.

Crucialmente, a pesquisa aprofundada revelou que Raffaele Lapolla enfrentou um grave processo criminal, sendo acusado de assassinato e submetido a um julgamento que poderia ter resultado na pena de morte. No entanto, ele foi absolvido por unanimidade pelo júri, após sua defesa provar sua inocência e demonstrar que a acusação era baseada em calúnias, intrigas e inveja. Ele foi libertado após 11 meses de prisão preventiva injusta, retornando à sua família e à sociedade. Este episódio destaca não apenas os desafios pessoais que os imigrantes podiam enfrentar, mas também a complexidade do sistema judicial da época e a resiliência de indivíduos como Raffaele.

A variação do sobrenome de "Lapolla" para "Lapolli" é um exemplo das adaptações linguísticas e burocráticas que muitos imigrantes italianos enfrentaram no Brasil, refletindo a dinâmica de integração e a evolução dos registros civis na época.




Referências citadas

  1. Imigrantes italianos em Santo Amaro: de agricultores a empresários (1886-1935) - BDTD, acessado em julho 30, 2025, https://bdtd.ibict.br/vufind/Record/USP_2e19afd7e4f39b45f8d39d28f938c55b

  2. Colônia Vargem Grande - PREFEITURA MUNICIPAL DE ÁGUAS MORNAS, acessado em julho 30, 2025, https://aguasmornas.sc.gov.br/pagina-34921/

  3. Raffaele Lapolla (1833–1901) - Ancestors Family Search, acessado em julho 30, 2025, https://ancestors.familysearch.org/en/9JTY-1R2/raffaele-lapolla-1833-1901

  4. Raffaelle Lapolla (1833 - 1901) - Genealogy - Geni, acessado em julho 30, 2025, https://www.geni.com/people/Raffaelle-Lapolla/6000000053361533355

  5. PERCURSOS HISTÓRICOS E PAISAGENS CULTURAIS: O LEGADO DOS IMIGRANTES EM SANTA CATARINA - Portal de Periódicos UFU, acessado em julho 30, 2025, https://seer.ufu.br/index.php/caminhosdegeografia/article/download/39704/24312/187514

  6. O imigrante e a literatura ítalo-catarinense, acessado em julho 30, 2025, https://periodicos.ufsc.br/index.php/travessia/article/download/17575/16149/54175

  7. VICTOR GUSTAVO DE SOUZA BRASIL, O PAÍS DAS MARAVILHAS TROPICAL: Guias para emigrantes, propaganda, acessado em julho 30, 2025, https://repositorio.unesp.br/bitstream/11449/202792/3/souza_vg_me_assis.pdf

  8. O patrimônio cultural da imigração em Santa Catarina - IPHAN, acessado em julho 30, 2025, http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/o_patrimonio_cultural_da_imigracao_santa_catarina.pdf

  9. | ARTIGOS, acessado em julho 30, 2025, http://lexcult.trf2.jus.br/index.php/LexCult/article/download/388/269/

  10. Acervo - Memória - Poder Judiciário de Santa Catarina, acessado em julho 30, 2025, https://www.tjsc.jus.br/web/memoria/acervo

  11. Arquivo - Memória - Poder Judiciário de Santa Catarina, acessado em julho 30, 2025, https://www.tjsc.jus.br/web/memoria/arquivo

  12. Imigrantes - Arquivo Publico de SC, acessado em julho 30, 2025, https://acervo.arquivopublico.sc.gov.br/index.php/imigrantes?sort=referenceCode&places=450&sf_culture=en&sortDir=asc&listLimit=50

  13. São Jose-1876-Felicio Rescio-Augusto Carlos Steden-Pedro Carlos Steden.pdf

  14. acessado em dezembro 31, 1969, uploaded:Image 5

  15. Afrânio Mello fornece informações sobre a familia Lapolla, La Polla ..., acessado em julho 30, 2025, https://jornalrol.com.br/?p=2358

  16. Corrigir o nome e o sobrenome do italiano e dos descendentes, acessado em julho 30, 2025, https://aquilacompany.com.br/2024/02/preciso-corrigir-o-nome-e-o-sobrenome-do-italiano-e-dos-descendentes-em-todas-as-certidoes/

  17. Lapolli Name Meaning and Lapolli Family History at FamilySearch, acessado em julho 30, 2025, https://www.familysearch.org/en/surname?surname=lapolli

  18. 150 anos da imigração italiana em SC: Tradição que atravessa gerações - YouTube, acessado em julho 30, 2025, https://www.youtube.com/watch?v=dkS6jbBBY6c

  19. 150 anos da imigração italiana em SC: uma história de tradição e cultura | Vídeo - ND Mais, acessado em julho 30, 2025, https://ndmais.com.br/video/150-anos-da-imigracao-italiana-em-sc-uma-historia-de-tradicao-e-cultura/