quinta-feira, 20 de maio de 2021

A Fé nos Lobos

O marketing político — a arte de vestir lobos em pele de ovelha — aprendeu muita coisa a respeito do público evangélico, uma lição que certamente será usada nas próximas eleições.

Aprendeu que os evangélicos são muitos, que estão à venda e que seu preço é baixíssimo: basta que o lobo decore alguns versículos, use alguns termos de nosso vocabulário, prestigie nossos encontros e nos receba nos salões retrofuturistas da Praça dos Três Poderes. 

Aprendeu que os evangélicos são moralistas, mas que seu moralismo é seletivo — ao político que prometer dificultar a vida dos gays e dos maconheiros, permitimos que minta, que devaste nossas florestas, que corrompa nossa democracia, que zombe de nossos mortos. 

Aprendeu que nossos pastores podem ser cabos eleitorais eficientes e obedientes, que podemos espalhar mentiras nos grupos de WhatsApp das igrejas e até boatos nos púlpitos. 

Aprendeu que podemos trocar a lucidez de Jesus pelo emocionalismo de uma disputa entre personagens públicos baseada na propaganda. 

Que, em nome de uma ideologia, podemos relativizar a violência e a intimidação contra jornalistas e seus familiares. 

Aprendeu que podemos diminuir  o nome de Deus até que ele caiba numa disputa eleitoral —mesmo que seja uma disputa repleta de raiva, ódio e mentira. 

Aprendeu que, mais que confundir lobos com ovelhas, a igreja evangélica pode até mesmo se oferecer aos lobos famintos. 






ALEXANDRE, Ricardo. E a Verdade Vos Libertará: Reflexões sobre Religião, Política e Bolsonarismo. São Paulo: Mundo Cristão, 2020, p. 223-224.

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